Gonçalo Ferreira da Silva
A vida de Jesuíno
apresenta-se humana
depois que saiu perfeita
ao cabo de uma semana
do prodigioso bico
da pena gonçaliana.
Para dar fidelidade
ao cuidadoso relato
da produção deste texto
sou imensamente grato
à Aglae, Mestre Cascudo
e a Raimundo Nonato.
Ao longo da narrativa
por natureza empolgante
em razão do nosso estilo
envolvente e fascinante
veremos parte da vida
de Jasuíno Brilhante.
De posse de dados tais
o meu nervoso sistema
repousou como tocado
por inspiração suprema
e ao cair do crepúsculo
estava pronto o poema.
Ao longo da narrativa
minha região vivia
a saudade evanescente
dos tempos idos sentia
e a sensação de nordeste
me fazia companhia.
Eu tenho quase certeza
que o próprio Jesuíno
sentia o mesmo que sinto
quando fatal desatino
mudou-lhe as regras do jogo,
modificou seu destino.
No sítio Tuiuiú
de Patu bem afastado
então Vila Potiguá
foi nascido e batizado
o menino Jesuíno
Alves de Melo Calado.
Cresceu sempre demonstrando
ter apurado juízo,
empunhando a baladeira
tinha arremesso preciso
e no rosto iluminado
um permanente sorriso.
Evidenciava forte
sentido de liderança
espírito aglutinador
talvez ancestral herança
qualidades reveladas
desde os tempos de criança.
Tornou-se assim Jesuíno
por todos muito querido
e em todo o Rio Grande
do Norte reconhecido
e nos locais que chegava
festivamente aplaudido.
Famoso por proteger
famílias abandonadas,
pobres velhos indefesos,
viúvas desamparadas,
crianças desprotegidas
e donzelas ultrajadas.
Quando na rua da amargura
um sujeitinho galante
deixava uma pobre jovem
seu pai no seguinte instante
levava ao conhecimento
de Jesuíno Brilhante.
Pelo fundilho das calças
Jesuíno prontamente
levava o engraçadinho
e dizia sorridente:
_Chamem um padre e os casem
enquanto eu estou presente.
Assim Jesuíno tinha
de todos a simpatia,
pregava a fraternidade
distribuía alegria
trocava abraços fraternos
em toda parte que ia.
Foi Jesuíno Brilhante
acolhedor e distinto
respeitador dos princípios
pela nobreza do instinto
amava os dez mandamentos
e só transgrediu o quinto.
O cangaceiro romântico
foi-lhe nome apropriado
mesmo tendo sido apenas
mais um grande predicado
dos muitos que conquistou
o nosso biografado.
Tinha aversão a ladrão
por roubar a coisa alheia
e achava a ladruagem
uma atitude tão feia
que o lugar de ladrão
para ele era a cadeia.
Vamos porém aos motivos
que fez esse brasileiro
tão solidário com o mundo
tão fraterno e tão ordeiro
abraçar a perigosa
carreira de cangaceiro.
Raimundo Nonato informa
que houve uma diferença
dos Limões com Jesuíno
com muita troca de ofensa
que acabou finalmente
numa grande desavença.
A família dos Limões
não era de tolerar
insulto de rico ou pobre
muito menos de levar
desaforo ou ódio para
o aconchego do lar.
Conhecidos como negros
por todo o grande sertão
os Limões eram tratados
com tal discriminação
é tanto que o repentista
chamavam "Preto Limão".
Já os Limões como aquele
autor de muitos martelos
subestimavam os Brilhantes
chamando-os de amarelos
desclassificação que
provocou muitos duelos.
O furto de uma cabra
que pertencia aos Brilhantes
alimentou mais o ódio
que já existia antes
e os confrontos mortais
também muito mais constantes.
Jesuíno e os irmãos
empreenderam a procura
ao caprino que sumiu
e o acharam em certa altura
na panela dos Limões
já na primeira fervura.
Depois de uma enxurrada
de palavrões nordestinos
deu Jasuíno uma surra
oportuna no meninos
e a recomendação
de não roubar seus caprinos.
Não houve perdas humanas,
não calou nenhuma voz,
nem Jesuíno Brilhante
se transformou num algoz
mas o ódio entre as famílias
ficou muito mais feroz.
E Jesuíno Brilhante
continuou seu destino
de protetor da pobreza
e em qualquer desatino
causado por valentões
davam parte a Jesuíno.
Depois que formou o grupo
por reiteradas vezes
disse para seus capangas:
_Vamos pedir aos fregueses
donos de propriedades
que nos arranjem umas reses.
Abatia um boi de corte
cuja carne dividia
com os moradores pobres
que na vizinhança havia,
o que sobrava salgava
nos matulões conduzia.
Jesuíno era de fato
um líder por excelência
e o grupo lhe rendia
a mais cega obediência
pelas provas demonstradas
de soberba competência.
Gustavo Barroso informa
em matéria colossal
ataque de Jesuíno
à cadeia de Pombal
na Paraíba causando
inquietação geral.
No ano mil oitocentos
e setenta e quatro, presos
alguns capangas ficaram
completamente indefesos
mas se evadiram dois anos
depois totalmente ilesos.
Numa operação brilhante
de Jesuíno Brilhante
libertou quem estava preso
naquela ação fulminante
que exigiu o concurso
duma cabeça pensante.
O primeiro assassinato
que praticou Jesuíno
e que mudaria o curso
natural do seu destino
foi vingando o seu irmão
não por instinto assassino.
O grupo de Jesuíno
sou muito franco em dizer
era pequeno mas certo
do que devia fazer
daqueles que matam ou morrem
pois nada tem a perder.
Eram oito os componentes
do seu primeiro escalão
Manuel Tal, o Cachimbo,
Canabrava, homem de ação
Monteiro, Manoel Lucas,
João Alves o seu irmão.
Manoel Lucas de Melo
por Pintadinho tratado,
o duro Raimundo Ângelo
por Latada apelidado
era por tais elementos
que o grupo era formado.
Este grupo impregnado
de furor descomunal,
tendo o senso de justiça
como fator principal
arrebentou as paredes
da cadeia de Pombal.
Raimundo Nonato afirma
e chega a jurar até
que Jesuíno Brilhante
nosso cangaceiro é
de mil oitocentos e
quarenta e quatro e dá fé.
Já mil oitocentos e
quarenta e três em a vida
de Jesuíno Brilhante
por Nonato é desmentida
por ser data discordante
daquela aqui referida.
Testemunhada por rica
e silenciosa estante
que nos mostrou solidária
cada conturbado instante
da vida e das aventuras
de Jesuíno Brilhante.
O pai, João Alves de Melo
estimado no local
rico latifundiário
tinha domínio total
como líder militante
do partido liberal.
A mãe Dona Alexandrina
era uma mulher prendada
às responsabilidades
da casa compenetrada
e aos cuidados dos filhos
verdadeira devotada.
Teve o casal cinco filhos
constituídos assim:
quatro homens e uma moça
e Lucas nasceu no fim
os demais, além de Lúcia
João, Jesuíno e Joaquim.
Cresceram juntos, alegres
e extremamente felizes
nas escolas patuenses
sem desvios, sem deslizes
juntos com outras centenas
de pequenos aprendizes.
Sem qualquer falso elogio
mas verdade cristalina
Jesuíno era brilhante
e ainda teve a boa sina
de, adulto, se casar
com Maria Carolina.
Até mil e oitocentos
e setenta a figura
de Jesuíno Brilhante
era de boa criatura
sem qualquer necessidade
de exibir sua bravura.
Do seu feliz casamento
com Maria Carolina
a primeira Filomena
extremamente ladina
depois Francisca, João
e porfim Alexandrina.
Era Jesuíno, o homem
de grande amabilidade
cativante e envolvente
com muita facilidade
criava em torno de si
grande círculo de amizade.
No entanto o episódio
de fato surpreendente
ocorreu quando Brilhante
foi propositadamente
soltar em Pombal um preso
que ele achava inocente.
Depois de viajar muito
em terrível lamaçal
pois o tempo era chuvoso
do sertão à capital
chegou Jesuíno à noite
à cidade de Pombal.
Num silêncio conferido
ao ardiloso felino
Brilhante entrou na cadeia
e de modo repentino
chocou-se com um sujeito
supostamente assassino.
numa luta suicida
mas sem emissão de voz
os dois homens se agarraram
numa decisão feroz
os dois sem arma nenhuma
escravizada no cós.
Brilhante em dado momento
pensou: _Decretei meu fim
este homem ao que parece
é superior a mim
nem eu que sou ambidestro
não sou tão perfeito assim.
Continuando na mesma
linha de raciocínio:
_Golpes certeiros assim
só davam finado Ermínio,
o meu querido irmão Lucas
e o falecido Virgínio.
Em plena luta ele teve
a brilhante inspiração
de gritar: _Caro irmão Lucas
e na mesma ocasião
viu que o lutador feroz
era Lucas seu irmão.
Os dois emocionados
depois de um longo abraço
Jesuíno disse a Lucas
faça do jeito que eu faço
lute da forma que eu luto
mas não entre no cangaço.
Outro episódio que ainda
nos causa admiração
ocorreu com Jesuíno
da noite na escuridão:
uma cobra cascavel
se aninhou no seu calção.
Ele ficou nove horas
sem ter como se mexer
Jesuíno dessa vez
só escapou de morrer
porque a mortal serpente
não se lembrou de morder.
Dormiu no pé da barriga
como quem está num tronco
ou como quem sente o clima
do início do outono
ao cabo de nove horas
foi que despertou do sono.
Deslizou suavemente
ganhando o mato fechado
e deixando o coração
do bandido aliviado
e o corpo entorpecido
de tanto tempo parado.
O fim da vida do grande
bandoleiro Jesuíno
o cangaceiro romântico
se deu pelo assassino
Preto Limão, um sujeito
cruel, audaz e ferino.
O ano mil setecentos
e setenta e nove ia
nos últimos dias de dezembro
e Jesuíno saía
da casa de pedra onde
por tempos permanecia.
Entre Caraúbas e
Campo Grande no lugar
chamado de Santo Antonio
foi Jesuíno enfrentar
peito a peito o inimigo
para morrer ou matar.
Encomendara uma sela
a conhecido seleiro
este no dia de entrega
fingindo-se cavalheiro
inventou um artifício
vil e muito traiçoeiro.
Numa demora estudada
pormenorizadamente
não trouxe a sela esperando
o tempo suficiente
a que os Limões chegassem
de modo surpreendente.
O ataque aconteceu
de modo tão fulminante
cem tempo que permitisse
a Jesuíno Brilhante
esboçar qualquer defesa
morrendo no mesmo instante.
Jesuíno foi cumprir
espiritual destino
porém até nossos dias
todo o sertão nordestino
tem grata recordação
do seu herói Jesuíno.