Uma Viagem ao céu - cordel

Ivaldo Fernandes

revista de cordel Uma Viagem ao céu



Uma vez eu era pobre
vivia sempre atrasado
botei um negócio bom
porém vendi-o fiado
um dia até emprestei
o livro do apurado.

Dei a balança de esmola
e fiz lenha do balcão
desmanchei as prateleiras
fiz delas um marquezão
porem roubaram-me a cama
fiquei dormindo no chão.

Estava pensado na vida
como havia de passar
não tinha mais um vintém
nem jeito pra trabalhar
o marinheiro dá venda
não queria mais liar.

Pus a mão sobre a cabeça
fiquei pensando na vida
quando do lado do céu
chegou uma alma perdida
perguntou era o senhor
que aí vendia bebida?

Eu disse que era eu mesmo
e a venda estava quebrada
mas se queria um pouquinho
ainda tinha guardada
obra de uns 2 garrafões.
de aguardente imaculada.

Me disse a alma: eu aceito
e lhe agradeço eternamente
porque moro no céu, mas lá
inda não entra aguardente
São Pedro inda plantou cana
porém perdeu a semente.

Bebeu obra de 3 contas
ficou muito satisfeita
disse: aguardente correta
imaculada direita
isso é o que chamo bebida
essa aqui ninguém enjeita.

Perguntei-lhe alma quem és?
disse ela: tua amiga
vim te dizer que te mude
aqui não dá nem intriga
quer ir para o céu comigo?
lá é que se bota barriga.

E lá subi com a alma
num eutomóvel de vento
então a alma me mostrava
todo aquele movimento
as maravilhas mais lindas
que existe no firmamento.

Passamos no purgatório
tinha um pedreiro caiando
mais adiante era o inferno
tinha um diabo cantando
e a alma de um ateu
presa num tronco apanhando.

Afinal cheguei no céu
a alma bateu na porta
com pouco chegou São Pedro
que estava pela horta
perguntou-lhe; esta pessoa
ainda é viva ou é morta? .

Então a alma respondeu:
é viva, estava no mundo
não tinha de que viver
está feito um vagabundo
lá quem não for bem sabido
passa fome vive imundo.

São Pedro ai perguntou:
o mundo lá como vai?
eu al disse: meu Santo
lá, filho rouba do pai
está se vendo que o mundo
por cima do povo cai.

Eu ainda levava um pouco
da gostosa imaculada
dei a ele e ele disse:
aguardente raciada!
e ai me disse: entre
aqui não lhe falta nada.

Arrastou uma cadeira
e mandou eu me sentar
chamou um criado dele
disse: cuide em se arrumar
vá lá dentro e diga a ama
que bote um grande jantar.

Quando acabei de jantar
o Santo me convidou
disse: vamos lá na horta
fui, ele me mostrou
coisas que me admirava
e tudo me embelezou.

Vi na horta de São Pedro
arvoredos hem criados
tinha pés de plantações
que estavam carregados
pés de libras esterlinas
que já estavam deitados.

Vi cerca de queijo e prata
e lagoa de coalhada
atoleiro de manteiga
mata de carne guisada
riacho de vinho do porto
só não tinha imaculada,

Prata de quinhentos réis
eles lá chamam caiporá
botavam trabalhadores
para jogar tudo fora,
esses niqueis de cruzados
lá nascem de hora em hora.

Então São Pedro me disse:
quero fazer-lhe presente
quando você Er embora
vou lhe dar uma semente
você mesma vai escolher
aquela mais excelente.

Deu-me dez pés de dinheiro
alguns querendo botar,
filhos de queijo do reino
já querendo sairejar,
uns caroços de brilhante
pra eu na terra plantar.

Galhos de libras esterlinas
deu-me cento e vinte pês
deu-me um saco de semente
de cédulas de com mil réis
deu-me maniva de prata
o diamante umas dez.

Ai chamou Santa Bárbara
esta velo com atenção
São Pedro aí disse a ela:
eu quero uma arrumação
este moço quer voltar
arranje-lhe uma condução.

— Bote cangalha num raio
e a saia num trovão
veja se arranja um corisco
para ele levar na mão
porque daqui para a terra
existe muito ladrão,

Eu desci do céu alegre
comigo não foi ninguém
passei pelo purgatório
ouvi um barulho além
era a velha minha sopra
que dizia: eu vou também.

Eu lhe disse: minha sogra
eu não posso a conduzir
ela me disse: eu lhe mostro
porque razão hei de ir
e se não for apago O raio
quero ver você seguir.

Nisso o raio se apagou
desmantelou-se o trovão
o corisco que trazia
escapuliu-se da mão
e tudo quanto eu trazia
caiu desta vez no chão,

Ai a velha voltou
rogando praga e uivando
quando entrou no purgatório
foi se mordendo e babando
dizendo tudo de mim
lançando fogo e falando

Bem dizia meu avó:
sogra, nem depois de morta
fede a carniça de corpo
a língua da alma corta
não diz assim quem não viu
uma sogra em sua porta,

Eu vinha com isso tudo
que o Pé tinha me dado
mas minha sogra apanhou
o diabo descuidado
fiquei pior do que estava
perdi o que tinha achado.

E quando eu cheguei em casa
a mulher quase me come
ainda pegou um cachete
e me chamou tanto nome
e disse que eu casei com ela
para matá-la de fome.
Se não fosse minha sogra

eu hoje estava arrumado,
mas ela no purgatório
achou tudo descuidado
abriu a porta e danou-se
veio deixar-me encaiporado.
Nunca mais voltei ao céu

para falar com São Pedro
e ainda mesmo que possa
não vou porque tenho medo
posso encontrar minha sogra
e vai de novo outro enredo

FIM

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