PROEZAS DE JOÃO GRILO - VERSOS DE CORDEL

Ivaldo Fernandes
REVISTA DE CORDEL PROEZAS DE JOÃO GRILO


João Grilo foi um cristão 
Que nasceu antes do dia
Criou-se sem formosura
Mas tinha sabedoria
E morreu depois da hora
Pelas artes que fazia.

E nasceu de sete meses
Chorou no "bucho" da mãe
Quando ela pegou um gato
Ele gritou: - Não me arranhe,
Não jogue neste animal
Que talvez você não ganhe.

Na noite que João nasceu,
Houve um eclipse na lua,
E detonou um vulcão
Que ainda continua
Naquela noite correu
Um lobisomem na rua.

Assim mesmo ele criou-se
Pequeno, magro e sambudo
As pernas tortas e finas
Boca grande e beiçudo
No sitio onde morava
Dava noticia de tudo.
João perdeu o pai
Com sete anos de idade
Morava perto de um rio
Ia pescar toda tarde
Um dia fez uma cena
Que admirou a cidade.

O rio estava de nado
Vinha um vaqueiro de fora
Perguntou: - Dará passagem?
João Grilo disse: - Inda agora
O gadinho de meu pai
Passou com o lombo de fora.

O vaqueiro botou o cavalo
Com uma braça deu nado
Foi sair já muito embaixo
Quase que morre afogado
Voltou e disse ao menino:
- Você é um desgraçado!

João Grilo foi ver o gado
Para provar aquele ato
Veio trazendo na frente
Um bom rebanho de pato
Os patos passaram n'água
João provou que era exato

Um dia a mãe de João Grilo
Foi buscar água à tardinha
Deixou João Grilo em casa
E quando deu fé lá vinha
Um padre pedindo água
Nessa ocasião não tinha

João disse: - Só tem garapa
Disse o padre: - Donde é?
João Grilo lhe respondeu:
É do engenho Catolé...
Disse o padre: - Pois eu quero
João levou numa coité.

O padre bebeu e disse:
- Oh! que garapa boa!
João Grilo disse: - Quer mais?
O padre disse: - E a patroa,
Não brigará com você?
João disse: - Tem uma canoa.

João trouxe outra coité
Naquele mesmo momento
Disse ao padre: - Beba mais
Não precisa acanhamento
Na garapa tinha um rato
Estava podre o fedorento!

O padre disse: - Menino,
Tenha mais educação
E por que não me disseste?
Oh! natureza do cão!
Pegou a dita coité
Arrebentou-a no chão

João Grilo disse: - Danou-se!
Misericórdia, São Bento!
Com isto mamãe se dana
Me pague mil e quinhentos
Essa coité, seu vigário
É de mamãe mijar dentro!

O padre deu uma pôpa
Disse para o sacristão
- Esse menino é o diabo
Em forma de cristão!
Meteu o dedo na goela
Quase vomita o pulmão!

João Grilo ficou sorrindo
Pela cilada que fez
Dizendo: - Vou confessar-me
No dia sete do mês
Ele nunca confessou-se
Foi essa a primeira vez

João Grilo tinha um costume
Pra toda parte que ia
Era alegre e satisfeito
No convívio da alegria
João Grilo fazia graça
Que todo mundo sorria

Num dia de sexta-feira
Às cinco horas da tarde
João Grilo disse: - Hoje à noite
Eu assombro aquele padre
Se ele não perdoar-me
Na igreja há novidade...

Pegou uma lagartixa
Amarrou-a pelo gogó
Botou-a numa caixinha
No bolso do paletó
Foi confessar-se João Grilo
Com paciência de Jó.

As sete horas da noite
Foi ao confessionário
Fez logo pelo sinal
Posto nos pés do vigário
O padre disse: - Acuse-se!
João disse o necessário.

Eu sou aquele menino
Da garapa e da coité.
O padre disse: - Levante-se,
Eu já sei você quem é;
João tirou a lagartixa
Soltou-a junto do pé.

A lagartixa subiu
Por debaixo da batina
Entrou na perna da calça
Tornou-se feia a buzina
O padre meteu os pés
Arrebentou a cortina.

Jogou a batina fora
Naquela grande fadiga,
A lagartixa cascuda
Arranhando na barriga.
João Grilo de lá gritava:
- Seu padre, Deus lhe castiga!

O padre impaciente
Naquele turututu
Saltava pra todo lado
Que parecia um timbu
Terminou tirando as calças
Ficando o esqueleto nu.

João disse: - Padre é homem?
Pensei que fosse mulher,
Anda vestido de saia
Não casa porque não quer
Isto é que é ser caviloso
Cara de mata bebé!

O padre disse: - João Grilo,
Vai-te daqui infeliz!
João Grilo disse: - Bravo
Do vigário da matriz
É assim que ele me paga
O benefício que fiz?

João Grilo foi embora
O padre ficou zangado
João Grilo disse: - Ora sebo,
Eu não aliso c'roado
Vou vingar-me duma raiva
Que tive o ano passado.

No subúrbio da cidade
Morava um português
Vivia de vender ovos
Justamente nesse mês
Denunciou de João Grilo
Pelas artes que ele fez.

João encontrou o português
Com a égua carregada
Com duas caixas de ovos
João lhe disse: - Oh! camarada
Deixa eu dizer a tua égua
Uma pequena charada.

O português disse: - Diga!
João chegou bem no ouvido
Com a ponta do cigarro
Soltou-a dentro escondido
A égua meteu os pés
Foi temeroso estampido.

Derrubou o português
Foi ovos pra todo lado
Arrebentou a cangalha
Ficou o chão ensopado
O português levantou-se
Tristonho e todo melado.

O português perguntou:
- O que foi que tu disseste
Que causou tanto desgosto
A esse animal agreste?
- Eu disse que a mãe morreu...
O português respondeu:
- Oh égua besta da peste!

João Grilo foi à escola
Com sete anos de idade
Com dez anos ele saiu
Por espontânea vontade
Todos perdiam pra ele
Outro Grilo como aquele
Perdeu-se a propriedade.

João Grilo em qualquer escola
Chamava ao povo atenção
Passava quinau nos mestres
Nunca faltou com a lição
Era um tipo inteligente
No futuro e no presente
João dava interpretação.

Um dia pergunta ao mestre:
- O que é que Deus não vê,
E o homem vê qualquer hora?
Diz ele: - Não pode ser
Pois Deus vê tudo no mundo
Em menos de um segundo
De tudo pode saber.

João Grilo disse: - Qual nada
Quede os elementos seus?
Abra os olhos, mestre velho
Que vou lhe mostrar os meus
Seus estudos se consomem
Um homem vê outro homem
Só Deus não vê outro Deus!

João Grilo disse: - "Seu" mestre,
Me diga como se chama
A mãe de todas as mães?
Tenha cuidado no drama.
O mestre coça a cabeça
Disse: - Antes que me esqueça
Vou resolver o programa

- A mãe de todas as mães
É Maria Concebida
João Grilo disse: - Eu protesto
Antes dela ser nascida
Já outra mãe existia
Não foi a Virgem Maria
Oh que resposta perdida!

João Grilo disse depois
Num bonito português:
-A  mãe de todas as mães
Já disse e digo outra vez
Como a escritura ensina
É a natureza divina
Que tudo criou e fez.

- Me responda professor
Entre grandes e pequenos
Quero que fique notável
Por todos nossos terrenos
Responda com rapidez
Como se chama o mês
Que a mulher fala menos?

- Este mês eu não conheço 
Quem fez esta tabuada?
João Grilo lhe respondeu:
- Ora sebo, camarada
Pra mim perdeu o valor
Ter o nome de professor
Mais não conhece de nada

- Este mês é fevereiro
Por todos bem conhecido
Só tem vinte e oito dias
O tempo mais resumido
Entre grandes e pequenos
É o que a mulher fala menos
Mestre, você está perdido

- Seu professor, me responda
Se algum tempo estudou
Quem serviu a Jesus Cristo
Morreu e não se salvou
No dia que ele morreu
Seu corpo o urubu comeu
E ninguém o sepultou?

- Não conheço quem é esse
Porque nunca vi escrito;
João Grilo lhe respondeu:
- Foi um jumento está dito
Que a Jesus Cristo servia
Na noite que ele fugia
De Belém para o Egito.

João Grilo olhou de um lado
Disse para o diretor:
- Fique sabendo o senhor
Sem dúvida exame não fez
O aluno desta vez
Ensinou ao professor.

João Grilo foi para casa
Encontrou sua mãe chorando
Ele então disse: - Mamãe
Não está ouvindo eu cantando?
Não chora, cante mais antes
Pois o seu filho garante
Pra isso vive estudando.

A mãe de João Grilo disse:
- Choro por necessidade
Sou uma pobre viúva
E tu de menor idade
Até da escola saíste;
João lhe disse: ainda existe
O mesmo Deus de bondade

— A senhora pensa em carne
A cinco mil réis o quilo
Ou talvez no meu destino
Que à força hei de segui-lo?
Não chore, fique bem certa
A senhora só se aperta
Quando matarem João Grilo.

João chegou no rio
Às cinco horas da tarde
Passou até nove horas
Porém tudo foi debalde
Na noite triste e sombria
João Grilo sem companhia
Voltava sem novidade.

Chegando dentro da mata
Ouviu lá dentro um gemido
Os lobos devoradores
O caminho interrompido
E trepou-se num pinheiro
Como era forasteiro
Ficou calado escondido.

Os lobos foram embora
Mas João não quis descer
Disse: - Eu dormirei aqui
Suceda o que suceder
Eu hoje imito araquã
Só vou embora amanhã
Quando o dia amanhecer.

O Grilo ficou trepado
Temendo lobos e leões
Pensando na fatal sorte
E recordando as lições
Que na escola estudou
Quando do súbito chegou
Uns quatro ou cinco ladrões.

Eram uns ladrões de Meca
Que roubavam no Egito
Se ocultavam na mata
Naquele bosque esquisito
Pois cada um de per si
Que vinha juntar-se ali
Para ver quem era perito.

O capitão dos ladrões
Disse: - Não falta ninguém?
Um respondeu: - Não senhor
Disse ele: - Muito bem
Cuidado, não roubem vã
Vamos ajuntar-nos amanhã
Na capela de Belém.

— Lá partiremos o dinheiro
Pois aqui tudo é graúdo
Temos um roubo a fazer
Desde ontem que estudo
Mas já estou preparado;
E o Grilo lá trepado
Calado e escutando tudo.

Os ladrões foram embora
Depois da conversação
João Grilo ficou ciente
Dizendo em seu coração:
Se Deus ajudar a mim
Acabou-se tempo ruim
Sou eu quem ganho a questão.

João Grilo desceu da árvore
Quando o dia amanheceu
Mas quando chegou em casa
Não contou o que se deu
Furtou um roupão de malha
Vestiu, fez uma mortalha
Lá no mato se escondeu.

À noite foi pra capela
Por detrás da sacristia
Vestiu-se com a mortalha
Pois a capela jazia
Sempre com a porta aberta
João Grilo partiu na certa
Colher o que pretendia.

Deitou-se lá num caixão
Que enterrava defunto
João Grilo disse: - Hoje aqui
Vou ganhar um bom presunto;
Os ladrões foram chegando
João Grilo observando
Sem pensar em outro assunto

Acenderam um farol
Penduraram numa cruz
Foram contar o dinheiro
No claro de uma luz
João Grilo de lá gritou:
- Esperem por mim que vou
Com as ordens de Jesus!

Os ladrões dali fugiram
Quando viram a alma em pé
João Grilo ficou com tudo
Disse: - Já sei como é
Nada no mundo me atrasa
Agora vou pra casa
Tomar um rico café!

Chegou e disse: - Mamãe
Morreu nossa precisão
O ladrão que rouba outro
Tem cem anos de perdão;
Contou o que tinha feito
Disse a velha: - Está direito
Vamos fazer refeição.

Bartolomeu do Egito
Foi um rei de opinião
Mandou convidar João Grilo
Pra uma adivinhação
João Grilo disse: Eu vou,
No outro dia embarcou
Para saudar o sultão.

João Grilo chegou na corte
Cumprimentou o sultão
Disse: - Pronto, senhor rei
(deu-lhe um aperto de mão)
Com calma e maneira doce
O sultão admirou-se
Da sua disposição.

O sultão pergunta ao Grilo:
- De onde você saiu?
Aonde você nasceu?
João Grilo fitou ele e sorriu
— Sou deste mundo d'agora
Nasci na ditosa hora
Que minha mãe me pariu.

— João Grilo, tu adivinha?
E Grilo respondeu: - Não
Eu digo algumas coisas
Conforme a ocasião
Quem canta de graça é galo
Cangalha só pra cavalo
E seca só no sertão.

— Eu tenho doze perguntas
Pra você me responder
No prazo de quinze dias
Escute o que vou dizer
Veja lá como se arruma
É bastante faltar uma
Está condenado a morrer!

João Grilo disse: estou pronto
Pode dizer a primeira
Se acaso sair-me bem
Venha a segunda e a terceira
Venha a quarta e a quinta
Talvez o Grilo não minta
Diga até a derradeira.

Perguntou: - Qual o animal
Que mostra mais rapidez
Que anda de quatro pés
De manhã por sua vez
Ao meio-dia com dois
Passando disto depois
À tarde anda com três?

O Grilo disse: é o homem
Que se arrasta pelo chão
No tempo que engatinha
Depois toma posição
Anda em pé bem seguro
Mas quando fica maduro
Faz três pés com o bastão

O sultão maravilhou-se
Com a sua resposta linda
João disse: - Pergunte outra
Vou ver se respondo ainda.
A segunda o sultão fez
João Grilo daquela vez
Celebrizou sua vinda.

— Grilo, você me responda
Em termos bem divididos
Uma cova bem cavada
Doze mortos estendidos
E todos mortos falando
Cinco vivos passeando
Trabalham com três sentidos.


— Esta cova é um violão
Com prima, baixo e bordão
Mortas são as doze cordas
Quando canta um cidadão
Canta, toca e faz verso
Cinco vivos num progresso
Os cinco dedos da mão.

Houve uma salva de palmas
Com vivas que retumbou
O sultão ficou suspenso
Seu viva também bradou
Depois pedido silencio
Com outro desejo imenso
A terceira perguntou:

- João Grilo, qual é a coisa
Que eu mandei carregar
Primeiro dia e segundo
No terceiro fui olhar
Quase dá-me a tiririca
Se tirar, mais grande fica
Não míngua, faz aumentar?

— Senhor rei, sua pergunta
Parece me fazer guerra,
Um Grilo não tem saber
Criado dentro da serra
Mas digo pra quem conhece
O que tirando mais cresce
É um buraco na terra.

— João Grilo, vou terminar
As perguntas do tratado
E Grilo disse: pergunte
Quero ficar descansado...
Disse o rei: - É muito exato,
O que é que vem do alto
Cai em pé, corre deitado?

— Aquele que cai em pé
E sai correndo no chão
Será uma grande chuva
Nos barros de um sertão;
O rei disse: - Muito bem
No mundo todo não tem
Outro Grilo como João.

— João Grilo, você bebe?
João disse: - Bebo um pouquinho
E disse: - Eu não sou filho
De Baco que fez o vinho
O meu pai morreu bebendo
Eu o que estou fazendo?
Sigo no mesmo caminho.

O rei disse: - João Grilo
Beber é coisa ruim...
E Grilo respondeu: - Qual?
O meu pai dizia assim:
"Na casa de seu Henrique
Zelam bem um alambique
Melhor do que um jardim!"

O rei disse: - João Grilo
Tua fama é um estrondo
João Grilo disse: - Eu sabendo
O que perguntar respondo
Disse o rei enfurecido:
- O que tem o pé comprido
E faz o rastro redondo?

Senhor rei, tenho lembrança
De tempo da minha avó
Que ela tinha um compasso
Na caixa de bororó
Como esse eu também ando
Fazendo o rastro redondo
Andando com uma perna só.

- João, qual é o bicho,
Que passa pela campina
A qualquer hora da noite
Andando de lamparina?
- É um pequeno animal
Tem luz artificial;
Veja o que determina...

— Esse bicho eu já vi
Pois eu tinha por costume
De brincar sempre com ele
Minha mãe tinha ciúme
Eu andava pelo campo
Uns chamam pirilampo
E outros de vagalume!

O rei já tinha esgotado 
A sua imaginação
Não achou uma pergunta
Que interrompesse a João
Disse: - Me responda agora
Qual é o olho que chora
Sem haver consolação?

O Grilo então respondeu:
Lá muito perto da gente
Tem num outeiro importante
Um moço muito doente
Suas lágrimas tem paladar
Quem não deixa de chorar
É olho d'água vertente.

O rei inventou um truque
Do jeito que lhe convinha.
— Vou arrumar uma cilada
Ver se João adivinha;
Mandou vir um alçapão
Fez outra adivinhação
Escondeu uma bacorinha.

— João, o que é que tem
Dentro deste alçapão?
Se não disser o que é
É morto, não tem perdão
João Grilo lhe respondeu:
- Quem mata um como eu
Não tem dó no coração.

João lhe disse: - Esse objeto
Nem é manso nem é brabo
Nem é grande nem pequeno
Nem é santo nem é diabo
Bem que mamãe me dizia
Que eu ainda caía
Onde a porca torce o rabo!

Trouxeram uma bandeja
Ornada de muitas flores
Dentro dela uma latinha
Cheia de muitos fulgores
O rei lhe disse: - João Grilo
É este o último estrilo
Que rebenta tuas dores!

João Grilo desta vez
Passou na última estica,
Adivinhar uma coisa
Nojenta que se pratica
Fugir da sorte mesquinha
Pois dentro da lata tinha
Um pouquinho de "xinica".

O rei disse: - João Grilo
Veja se escapa da morte
O que tem nesta latinha?
Responda se tiver sorte
Toda aquela populaça
Queria ver a desgraça
Do Grilo franzino e forte.

— Minha mãe profetizou
Que o futuro é minha perda
— Dessas adivinhações
Brevemente você herda;
Faz de conta que já vi,
Como esta hoje aqui
Parece que dá em merda.

O rei achou muita graça
Nada teve o que fazer
João Grilo ficou na corte
Com regozijo e prazer
Gozando um bom paladar
Foi comer sem trabalhar
Desta data até morrer.

E todas as questões do reino 
Era João que deslindava
Qualquer pergunta difícil
Ele sempre decifrava
Julgamentos delicados
Problemas muito enrascados
E João Grilo desmanchava.

Certa vez chegou na corte
Um mendigo esfarrapado
Com uma mochila nas costas
Dois guardas de cada lado
Seu rosto cheio de mágoa
Os olhos vertendo água
Fazia pena o coitado.

Junto dele estava um duque
Que veio o denunciar
Dizendo que o mendigo
Na prisão ia morar
Por não pagar a despesa
Que fizera por afoiteza
Sem ninguém lhe convidar.

João Grilo disse ao mendigo:
- E como é, pobretão,
Que se faz uma despesa
Sem ter no bolso um tostão?
Me conte todo passado
Depois de eu ter-lhe escutado
Lhe darei razão ou não.

Disse o mendigo: - Sou pobre
E fui pedir uma esmola
Na casa do senhor duque
Levei a minha sacola
Quando cheguei na cozinha
Vi cozinhando galinha
Numa grande caçarola.

- Como a comida cheirava
Eu tive apetite nela
Tirei um taco de pão
E marchei pro lado dela
E sem pensar na desgraça
Botei o pão na fumaça
Que saia da panela!

- O cozinheiro zangou-se,
Chamou logo o seu senhor
Dizendo que eu roubara
Da comida o seu sabor
Só por eu ter colocado
Um taco de pão mirrado
Aproveitando o vapor...

- Por isso fui obrigado
A pagar essa quantia
Como não tive dinheiro
O duque, por tirania
Mandou trazer-me escoltado
Para depois de ser julgado
Ser posto na enxovia!

João Grilo disse: - Está bem,
Não precisa mais falar,
Então perguntou ao duque:
- Quanto o homem vai pagar?
- Cinco coroas de prata
Ou paga ou vai pra chibata
Não lhe deve perdoar!

João Grilo tirou do bolso
A importância cobrada
Na mochila do mendigo
Ela foi depositada
E disse para o mendigo:
- Balance a mochila, amigo
Pro duque ouvir a zoada!

O mendigo sem demora
Fez como Grilo mandou
Pegou sua mochilinha
Com a prata e balançou
Sem compreender o truque
Bem no ouvido do duque
O dinheiro tilintou.

Disse o duque enfurecido:
- Mas não recebi o meu; 
Diz João Grilo: _ Sim senhor,
Isto foi o que valeu
Deixe de ser caloteiro
O tinido do dinheiro
O senhor já recebeu!

- Você diz que o mendigo
Por ter provado o vapor
Foi mesmo que ter comido
Seu manjar e seu sabor
Pois também é verdadeiro
Que o tinir do dinheiro
Representa o seu valor!

Virou-se para o mendigo
E disse: - Estás perdoado
Leva o dinheiro que dei-te
Vai pra casa descansado!
O duque olhou para o Grilo
Depois de dar um estrilo
Saiu por ali danado.

A fama então de João Grilo
Foi de nação em nação
Por sua sabedoria
E por seu bom coração
Sem ser por ele esperado
Um dia foi convidado
Pra visitar um sultão.

O rei daquele país
Quis o reino embandeirado
Pra receber a visita
Do ilustre convidado
O castelo estava em flores
Cheio de tantos fulgores
Ricamente engalanado.

As damas da alta corte
Trajavam decentemente
Toda corte imperial
Esperava impaciente
Ou por isso ou por aquilo
Para conhecer João Grilo
Figura tão eminente.

Afinal chegou João Grilo
No reinado do sultão
Quando ele entrou na corte
Que grande decepção!
De paletó remendado
Sapato velho, furado
Nas costas um matulão.

O rei disse: - Não é ele
Pois assim já é demais;
João Grilo pediu licença
Mostrou-lhe as credenciais
Embora o rei não gostasse
Mandou que ele ocupasse
Os aposentos reais.

Só se ouvia cochichos
Que vinham de todo lado
As damas então diziam:
É esse o homem falado?
Duma pobreza tamanha
E ele nem se acanha
De ser nosso convidado!

Até os membros da corte
Diziam num tom chocante
Pensava que o João Grilo
Fosse dum tipo elegante
Mas nos manda um remendado
Sem roupa, esfarrapado
Um maltrapilho ambulante!

E João Grilo ouvia tudo
Mas sem dar demonstração
Em toda a corte real
Ninguém lhe dava atenção
Por mostrar-se esmolambado
Tinha sido desprezado
Naquela rica nação.

Afinal veio um criado
E disse sem o fitar:
- Já preparei o banheiro
Para o senhor se banhar,
Vista uma roupa minha
E depois vá para a cozinha
Na hora de almoçar.

João Grilo disse: - Está bom;
Mas disse com seu botão:
- Roupas finas trouxe eu
Dentro de meu matulão
Me apresentei rasgado
Para ver neste reinado
Qual era a minha impressão.

João Grilo tomou um banho 
Vestiu uma roupa de gala
Então muito bem vestido
Apresentou-se na sala
Ao ver seu traje tão belo
Houve gente no castelo
Que quase perdia a fala.

E então toda repulsa
Transformou-se de repente
O rei chamou-o pra mesa
Como homem competente
Consigo, dizia João:
- Na hora da refeição
Vez ensinar esta gente.

O almoço foi servido
Porém João não quis comer
Despejou vinho na roupa
Só para vê-lo escorrer
Ante a corte estarrecida
Encheu os bolsos de comida
Para toda corte ver.

O rei bastante zangado
Perguntou para João:
- Por que motivo o senhor
Não come da refeição?
Respondeu João com maldade:
- Tenha calma, majestade,
Digo já toda razão!

Esta mesa tão repleta
De tanta comida boa
Não foi posta para mim
Um ente vulgar à toa
Desde sobre-mesa à sopa
Foram postas à minha roupa
E não à minha pessoa!

Os comensais se olharam 
O rei pergunta espantado:
- Por que o senhor diz isto
Estando tão bem tratado?
Disse João: - Isso se explica
Por está de roupa rica
Não sou mais esmolambado.

Eu estando esfarrapado
Ia comer na cozinha
Mas como troquei de roupa
Como junto da rainha...
Vejo nisto um grande ultraje
Homenageiam meu traje
E não a pessoa minha!

Toda corte imperial
Pediu desculpa a João
E muito tempo falou-se
Naquela dura lição
E todo mundo dizia
Que sua sabedoria
Era igual a Salomão.

por: João Ferreira de Lima

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