Severino Milanês da Silva
Milanês estava cantando
Em Vitória de Santo Antão
Chegou Severino Pinto
Nessa mesma ocasião
Em casa de um marchante
Travaram uma discussão.
M – Pinto, você veio aqui
Se acabar no desespero
Eu quero cortar-lhe a crista
Desmantelar seu poleiro
Aonde tem galo velho
Pinto não canta em terreiro
P – Mas comigo é diferente
Eu sou um pinto graúdo
Arranco esporão de galo
Ele corre e fica mudo
Deixa as galinhas sem dono
Eu tomo conta de tudo
M – Para um pinto é bastante
Um banho de água quente
Um gavião na cabeça
Uma raposa na frente
Um maracajá atrás
Não há pinto que aguente
P – Da raposa eu tiro o couro
De mim não se aproxima
O maracajá se esconde
O gavião desanima
Do dono faço poleiro
Durmo, canto e choco em cima.
M – Pinto, cantador de fora
Aqui não terá partido
Tem que ser obediente
Cortês e bem resumido
Ou rende-me obediência
Ou então é destruído
P – Meu passeio nesta terra
Foi acabar sua fama
Derribar a sua casa
Quebrar-lhe as varas da cama
Deixar os cacos na rua
Você dormindo na lama
M – Quando vier se confessar
Deixe em casa uma quantia
Encomende o ataúde
E avise a freguesia
Que é para ouvir a sua
Missa do sétimo dia
P – Ainda eu estando doente
Com uma asa quebrada
O bico todo rombudo
E a titela pelada
Aonde eu estiver cantando
Você não torna chegada
M – O pinto que eu pegar
Pélo logo e não prometo
Vindo grande sai pequeno
Chegando branco sai preto
Sendo de aço eu envergo
Sendo de ferro eu derreto
P – No dia que eu tenho raiva
O vento sente um cansaço
O dia perde a beleza
A lua perde o espaço
O sol transforma-se em gelo
Cai de pedaço em pedaço
M – No dia que dou um grito
Estremece o ocidente
O globo fica parado
O fruto não dá semente
A terra foge do eixo
O sol deixa de ser quente
P – Eu sou um pinto de raça
O bico é como marreta
Onde bate quebra osso
Sai felpa que dá palheta
Abre buraco na carne
Que dá pra fazer gaveta
M – Eu pego um pinto de raça
E amolo uma faquinha
Faço um trabalho com ele
Depois pesponto com linha
Ele vivendo cem anos
Não vai perto de galinha
P – Milanês, você comigo
Desaparece ligeiro
Eu chego lá tiro raça
Me aposso do poleiro
E você dorme no mato
Sem poder vir no terreiro
M – Pinto, agora nós vamos
Cantar em literatura
Eu quero experimentá-lo
Hoje aqui em toda altura
Você pode ganhar esta
Porém com grande amargura
P – Pergunte o que tem vontade
Não desespere da fé
Do oceano, rio e golfo
Estreito, lago ou maré
Hoje você vai saber
Pinto cantando quem é
M – Pinto, você me responda
De pensamento profundo
Sem titubear na fala
Num minuto ou num segundo
Se leu me diga qual foi
A primeira invenção do mundo
P – Respondo porque conheço
Vou dar-lhe minha notícia
Foi o quadrante solar
Pelo povo da Fenícia
Os babilônios também
Gozaram a mesma delícia
M – Como você respondeu-me
Não merece disciplina
Hoje aqui não há padrinho
Que revogue a sua sina
Se você souber me diga
Quem inventou a vacina?
P – Não pense que com pergunta
Enrasca a mim, Milanês
Foi a vacina inventada
No ano noventa e seis
Quem estuda bem conhece
Que foi Jener Escocês
M – Sua resposta foi boa
De vocação verdadeira
Mas queira Deus o colega
Suba agora essa ladeira
Me diga quem inventou
O relógio de algibeira?
P – No ano mil e quinhentos
Pedro Hélio com façanha
Em Nuremberg inventou
Essa obra tão estranha
Cidade da Baviera
Que pertence à Alemanha
M – Pinto, cantando não gosto
De amigo nem camarada
Se conhece a história
Roma onde foi fundada?
O nome do fundador
E a data comemorada?
P – Em 753 antes de Cristo chegar
Nas margens do Rio Tibre
Isso eu posso lhe provar
Rômulo ali fundou Roma
A 15 milhas do mar
M – Pinto, eu na poesia
Quero mostrar-lhe quem sou
Relativo o avião
Perguntando ainda vou
Diga o primeiro balão
Quem foi que inventou?
P – Em mil seiscentos e nove
Bartolomeu de Gusmão
No dia oito de agosto
Fez o primeiro balão
Hoje no mundo moderno
Chama-se o mesmo avião
M – Pinto estou satisfeito
Já de você eu não zombo
Mas não pense que com isto
Atira terra no lombo
Disponha de Milanês
Pra ver se ele aguenta o tombo
P – Milanês, você comigo
Ou canta ou perde o valor
Você me responda agora
Seja que de forma for
De quem foi a invenção
Do primeiro barco a vapor?
M – Eu quero lhe explicar
Digo não muito ruim
Em 1687
Você não desmente a mim
O inventor desse barco
Foi o sábio Diniz Papim
P – Em que ano inaugurou-se
Da Europa ao Brasil
A linha pra esse barco
A vapor e mercantil?
Se não souber dê o fora
Vá soprar em um funil
M – Foi um navio inglês
Que levantou a bandeira
Em 1851
Veio à terra brasileira
Sendo a nove de janeiro
Fez a viagem primeira
P – E qual foi a primeira guerra
Feita a barco a vapor?
Você ou diz ou apanha
Da surra muda de cor
Quebra a viola e deserta
Nunca mais é cantador
M – Em 1865
A esquadra brasileira
Dentro do Riachuelo
Içou a sua bandeira
Na guerra do Paraguai
Foi a batalha primeira
P – Milanês, você comigo
Ou canta muito ou emperra
Não pode se defender
Salta, pula, chora e berra
Qual foi a primeira estrada
De ferro, na nossa terra?
M – Foi quando Pedro II
Tinha aqui poderes mil
Em 1854
No dia trinta de abril
Inaugurou-se em Mauá
A primeira do Brasil
P – Milanês, você é fraco
Não aguenta o desafio
Eu ainda estou zombando
Porque estou de sangue frio
Me diga quem inventou
O telégrafo sem fio?
M – Pinto, você não pense
Que meu barco vai a pique
Em 1608
Na cidade de Munique
Suemering inventou
Este aparelho tão chique
P – Eu já vi que Milanês
Não responde coisa à toa
Se ainda quiser cantar
Hoje um de nós desacoa
Puxe por mim que vai ver
Um pinto de raça boa
M – Pinto, o seu pensamento
Pra todo lado manobra
Mas eu não conheço medo
Barulho pra mim não sobra
É fogo queimando fogo
É cobra engolindo cobra
P – Do pessoal do salão
Levantou-se um cavalheiro
Dizendo: quero que cantem
Pelo seguinte roteiro
Milanês pergunta a Pinto
Como passa sem dinheiro
M – Oh! Pinto, você precisa
De um paletó jaquetão
Uma manta, um cinturão
Uma calça, uma camisa
Está de algibeira lisa
Não encontra um cavalheiro
Que forneça ao companheiro
Pra fazer-lhe um benefício
Olhe aí o precipício
Como compra sem dinheiro?
P – Eu recomendo a mulher
Que compre na prestação
Um paletó jaquetão
A camisa se tiver
Quando o cobrador vier
Ela esteja no terreiro
Eu fico no fogareiro
Pelo oitão vou furando
Ele ali fica esperando
Assim compro sem dinheiro
M – Você em uma cidade
Precisa de refeição
Porém não tem um tostão
Que mate a necessidade
Ali não há caridade
Na casa do hoteleiro
Só encontra desespero
Fala e ninguém lhe atende
Fiado ninguém lhe vende
Como come sem dinheiro?
P – Eu levo um carrapato
Guardado dentro do bolso
Vou no hotel peço almoço
No fim boto ele no prato
Faço logo um desacato
Chamo o garçom ligeiro
Ele me diz: cavalheiro
Cale a boca, vá embora;
Saio por ali a fora
Assim como sem dinheiro
M – Você precisa casar
Para ser pai de família
Precisa roupa e mobília
Cama para se deitar
Você não pode comprar
Cadeira nem petisqueiro
Atoalhado estrangeiro
Mesa para refeição
Você não tem um tostão
Como casa sem dinheiro?
P – Se a moça amar-me enfim
Me tendo amor e firmeza
Não especula riqueza
Nem diz que eu sou ruim
Ela ontem disse a mim:
Eu quero é um cavalheiro
E você é o primeiro
Para ser meu defensor
Quero é gozar teu amor
E assim caso sem dinheiro
M – Você depois de casado
Sua esposa cai doente
Você não tem um parente
Que lhe empreste um cruzado
Ver seu anjo idolatrado
Gemendo sem paradeiro
Olhe aí o desespero
Na porta do camarada
Só ver pobreza e mais nada
Como cura sem dinheiro?
P – Eu boto-a nos hospitais
Do governo do estado
Pra quem está necessitado
Aquilo serve demais
As irmãs especiais
Chamam logo o enfermeiro:
— Vamos com isto ligeiro
Tratam com mais brevidade;
Se interna na caridade
Assim curo sem dinheiro
M – Oh! Pinto, camaradinha
Você precisa ir à feira
Para comprar macaxeira
Arroz, batata e farinha
Bacalhau, charque e sardinha
Tomate, vinho e tempero
Gás, açúcar e candeeiro
Biscoito, chá, macarrão
Bolacha, manteiga e pão
Como compra sem dinheiro?
P – Eu dou um jeito no pé
Envergo um dedo da mão
Um dali dá-me um pão
Outro dá-me um café
À tarde vou à maré
Espero ali o peixeiro
Ele é hospitaleiro
Humanitário e carola
Dá-me um peixe por esmola
E assim como sem dinheiro
M – Com este verso do Pinto
Encheu de riso o salão
Houve uma recepção
Naquele nobre recinto
Ergueu-se um rapaz distinto
Com frase meiga e bela
Disse: mudem de tabela
Pra uma ideia mais grata:
Nem a polícia me empata
De chorar na cova dela
P – Eu tive uma namorada
Bonita igual Madalena
Parecia uma verbena
Pela manhã orvalhada
A morte tomou chegada
Matou a minha donzela
Quando sepultaram ela
Quase a tristeza me mata
Nem a polícia me empata
Eu chorar na cova dela
M – Eu amei uma criatura
Ela o coração me deu
Na minha ausência morreu
Eu sofri muita amargura
Fui à sua sepultura
Para abraçar-me com ela
Ainda via a capela
Toda bordada de prata
Nem a polícia me empata
Eu chorar na cova dela
M – Um dia um amigo meu,
Disse com toda bravura
Deixe de sua loucura
Se esqueça de quem morreu
Uma desapareceu
Procure outra donzela;
Eu disse: igualmente aquela
Não existe nesta data
Nem a polícia me empata
Eu chorar na cova dela
P – Desperto de madrugada
O sono desaparece
Me levanto e faço prece
Na cova de minha amada
Volto pela mesma estrada
Com o pensamento nela
Quando eu não avisto ela
Vou dormir dentro da mata
Nem a polícia me empata
Eu chorar na cova dela
M – Caros apreciadores
Qualquer que analisou
Nem Pinto saiu vaiado
Nem Milanês apanhou
Vamos esperar por outra
Que esta aqui terminou