O Poeta da Roça: Versos de Vida e Luta no Sertão

Ivaldo Fernandes


Na terra das matas, sou eu cantadô
De mão calejada, trabalho na roça
Seja inverno ou estio, não sinto o pavor
Minha vida é dura, mas nela há prosas.

Minha choupana é feita de barro
Fumo cigarro de palha de milho
Na simplicidade, eu nunca me esbarro
Sou filho da mata, sou poeta do trilho.

Não sou menestrel, não sou trovador
Que vaga errante com sua viola
Buscando amores, cantando ao sabor
Da vida que passa, pachola e desola.

Eu sou das brenhas, do sertão profundo
Meu canto é rasteiro, simples, sem par
Não tenho a cultura dos eruditos do mundo
Mas sei meu nome com esforço assinar.

Meu pai, coitadinho, vivia sem cobre
A vida de pobre não dava pro estudo
E eu, seu filhinho, sem chance, sou nobre
Apenas no verso, no qual eu me iludo.

Na roça meu verso encontra morada
Não entra nos salões, não brilha na praça
Ele é pro campo, pra enxada suada
É poesia do eito, da vida sem graça.

Às vezes me pego, lembrando o passado
De uma mocidade que já se perdeu
A saudade bate, me deixa amargurado
Pois dentro do peito ela sempre viveu.

Nos campos da roça, canto e lamento
O que a vida levou, o que não voltou
Mas sigo lutando, sem nunca um tormento
Calando meu canto, que é dor e amor.

Sou fio das matas, poeta esquecido
Minha voz se perde no vento que sopra
Mas sigo cantando, ainda que ferido
Pois meu verso simples é tudo que sobra.

O sol abrasante, a chuva que cai
São minhas companhias, no dia-a-dia
O campo é meu lar, de onde não saio
Minha vida é dura, mas cheia de poesia.

As noites estreladas, a lua branquinha
Iluminam meu rosto de sonhador
Mesmo sem fortuna, minha alma é minha
E nela cultivo um jardim de amor.

Minha rima é rude, não tem embelê
Mas fala da vida, do que eu conheço
Não busca na forma o que tem pra dizê
Só quer ser ouvida, é esse seu preço.

A terra me chama, e nela me deito
Ao fim do meu dia, cansado e contente
E sonho com tempos de vida perfeita
Onde minha voz é um canto presente.

Mas enquanto vivo, na lida da roça
Vou sendo poeta, de mão calejada
E mesmo que a vida pareça tão moça
Meu canto perdura na estrada marcada.

Não sou trovador de palácios e reis
Sou cantador da terra, do chão batido
Meu palco é a roça, meus versos são leis
Que regem meu mundo, de dor e gemido.

Não busco a riqueza, nem fama distante
Apenas a paz de saber que vivi
Cada dia na roça, sob o sol brilhante
E cada verso simples que um dia escrevi.

Sou fio das matas, cantô da mão grosa
Trabaio na roça, de inverno e de estio
A minha chupana é tapada de barro
Só fumo cigarro de paia de mio.

A vida é dura, mas eu sou mais forte
Pois nela encontro meu motivo de ser
E se o destino me guarda uma sorte
Será na poesia que eu vou renascer.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestrê, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola
Cantando, pachola, à percura de amô.

E assim eu sigo, meu canto ecoando
Nos campos da vida, no sertão sem fim
Pois na simplicidade eu vou me encontrando
E é nela que encontro a essência de mim.

Não tenho sabença, pois nunca estudei
Apenas eu seio o meu nome assiná
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre
E o fio do pobre não pode estudá.

Mas o que me falta em letras e luxo
Sobra em coragem, vontade e paixão
E é com essa força que sigo no fluxo
De versos cantados do fundo do coração.

Meu verso rastero, singelo e sem graça
Não entra na praça, no rico salão
Meu verso só entra no campo da roça e dos eito
E às vezes, recordando feliz mocidade
Canto uma sodade que mora em meu peito.

E assim termina este meu cordel
Simples e honesto como meu viver
É a voz de um homem que canta fiel
À vida na roça, que escolheu pra ser.

Fio das matas, poeta, cantô
Trabaio na roça, sem nunca temê
Minha vida é dura, mas cheia de amor
E no meu cordel, eu sou quem eu quer.
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