O alucinante namoro do Menestrel e a Lagartixa

Ivaldo Fernandes
revista de cordel O alucinante namoro do Menestrel e a Lagartixa.


Arievaldo Viana e Vidal Santos



O amor não tem idade
Nem repara condição
Quando se alberga no peito
Endoida qualquer cristão
E quando aflora o amor
É possível um beija-flor
Se enamorar de um dragão.
 

Vicente Lopes Trajano
Rapaz velho e solitário
Poeta de profissão
Um boêmio perdulário
Um dia se apaixonou
E seu peito se tornou
Um sonoro campanário.
 

Nosso ilustre menestrel
Era muito vaidoso
Andava sempre alinhado
Embora já meio idoso
Com o cabelo pintado
E um violão de lado
Pachola e todo garboso.
 

Um dia, num recital
Do amor veio a procela
No momento em que Trajano
Se encontrou com Felizbela
Uma jovem recatada
Filha de classe abastada
Educada, jovem e bela.
 

Ele era muito tímido
Felizbela recatada
Com cerimônia um do outro
Não deram andamento a nada
Tanto que a noite passou
E Vicente não conversou
Com a pretensa namorada.
 

Por causa disso Vicente
Pediu um litro de cana
Tomou um grande pifão
E quando ficou bacana
Saiu a cambalear
Em procura do seu lar
Pra curar a carraspana.
 

Era alta madrugada
A lua estava fagueira
E no peito de Vicente
Crepitava uma fogueira
Lembrando da doce amada
Tão meiga e encabulada
Tão pura, tão verdadeira.
 

Ao passar por uma praça
Avista uma lagartixa
Como ia embriagado
Se enamorou dessa bicha
Pensando ser Felizbela
Dirigiu-se logo à ela
Com sua rima prolixa.
 

A lagartixa era grande
Vicente viu dela o vulto
E mesmo assim o seu rabo
No capim estava oculto
A bichinha admirada
Fitava a cena calada
Vicente achou um insulto.
 

Mirou pra ela ligeiro
Todo belo, engalanado,
Bateu uma chama no peito
Viu que estava apaixonado
Sendo da pinga um freguês
Perdeu toda timidez
Sentou-se logo ao seu lado.
 

A lua no céu brilhava
Com seu raio reluzente
A lagartixa postada
Na beirada de um batente
Com a cauda pendurada
Olhou sem entender nada
E ele todo contente...
 

Disse assim, naquela hora:
- Minha querida donzela
Confesso que nunca vi
Criatura assim tão bela!
Flechado pelo cupido
Nosso poeta enxerido
Aplicou um beijo nela.
 

- Me responda, Felizbela,
Queres namorar comigo?
Ou preferes que eu seja
De ti apenas  amigo?
Eu nasci pra te querer
Responda se queres ser
A deusa do meu abrigo?
 

Nesse instante a lagartixa
Num gesto puro, inocente
Balançou a cabecinha
(Muito afirmativamente)
Felicidade completa:
Com isso nosso poeta
Quase morre de contente.
 

- Tu queres seguir comigo
Nessa noite de luar,
E ser de hoje em diante
A rainha do meu lar?
A lagartixa escutou
E a cabeça abaixou
Outra vez a confirmar.
  

Era um namoro “rombudo”
Como diria o Leandro
Vicente se adiantava
Como faz um bom malandro
Fazendo declarações
De derreter corações
E vencer qualquer meandro.
 

Pegou na mãozinha dela
Tão pequena e delicada
E disse: - Que mão cascuda!
Tão áspera, tão eriçada!
Deves ser trabalhadeira
Oh! Meu amor, que besteira
Isso não quer dizer nada!
 

- De hoje em diante você
Não irá mais trabalhar
Pois este humilde poeta
É quem vai te sustentar
Com um creme amaciante
Resolverei num instante
Podes em mim confiar! 

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