Vou contar aos bons leitores
uma história mui distinta;
quero contar a verdade,
se não for quem me desminta:
no coração de quem ama
uma amizade o que pinta.
Havia em uma cidade
um homem de muita riqueza,
e perto dele morava
um pobre por natureza
tanto tinha um de rico,
como o outro tinha de pobreza.
Esse homem era rico,
Senhor de muitos milhões
determinava a cidade
em muitas repartições,
afinal satisfazia
todas as suas paixões.
O pobre do sapateiro
não possuía riqueza,
vivia de sua arte no estado de pobreza,
mas o pouco que ganhava
dava prá sua despesa.
O rico não tinha filhos,
apenas uma filhinha,
como era filha única
do sobrado era rainha,
era chamada Maria,
tratavam por Mariquinha.
Lhe botara este apelido
por sua delicadeza,
pelo seu porte elegante,
sua graça e singeleza.
Apesar da pouca idade,
era um mimo de beleza.
Com oito anos de idade
era rainha das flores,
se comparava uma santa
no meio dos pecadores,
o seu riso recordava
sublimes juras de amores.
O pobre do sapateiro,
com o seu viver pobrezinho
além de ter muitos filhos
tinha um pequenininho,
que chamavam de José
e tratavam de Zezinho.
Esse era um bom menino
por obra da Providência,
apesar de ser tão novo
tinha rara inteligência,
o seu pai se orgulhava
por ver sua sapiência.
Ele ensinou a Zezinho
ler, escrever e contar,
com nove anos de idade
já sabia bem falar,
pois é um dever sagrado
os pais aos filhos educar.
O rico também mandou
ensinar a Mariquinha,
deu-lhe logo uma criada
para não andar sozinha
pelas ruas da cidade
quando ia e quando vinha.
E Zezinho todo dia
por detrás a namorava,
ficava aguardando a hora
prá ver quando ela passava,
quando ia para a escola
de longe lhe acompanhava.
Dizia ele consigo:
- Maldigo a minha pobreza!
Se eu fosse também rico,
também teria nobreza
e poderia andar junto
desta tão linda princesa!
Porém como sou pequeno,
não poderei trabalhar
e sem trabalhar não posso
nessa luta triunfar!
Assim o pobre Zezinho
via o tempo se passar.
Porém no nosso destino
trazemos do nascimento
e o futuro do homem
ninguém traz no pensamento:
eis que um dia Zezinho
viu cumprido seu intento.
Um dia em que Mariquinha
foi para a Universidade,
junto com uma criada,
ambas da mesma idade
encontrou-se com Zezinho
e consagraram amizade.
Iam já perto da aula,
Zezinho também seguia.
Ela olhando distraída,
viu que Zezinho sorria
por aceno perguntava
se queria companhia.
Perguntou ela: - Quem é?
Respondeu: - Sou seu vizinho.
Como de fato que era,
pois morava bem pertinho.
Até ali Mariquinha
não conhecia Zezinho.
Marcharam para a escola
que a hora era chegada,
à tarde voltaram juntos
até o pé da escada.
Todos três eram pequenos,
não queria dizer nada.
Continuaram andar juntos,
todos dois em companhia
se Mariquinha não fosse,
Zezinho também não ia,
quando um tinha desgosto,
o outro também sentia.
De forma que os dois amantes
consagraram essa amizade:
prestaram um juramento,
conservaram sem maldade,
pois onde existe firmeza
não pode haver falsidade.
Consagraram essa amizade
para um ato muito fino:
bem fez Cupido pintar
como amor de menino -
de menino vai crescendo,
de homem toma destino.
Zezinho, com nove anos,
se conhecer o perigo,
perguntou a Mariquinha:
- Tu queres casar comigo?
Mariquinha respondeu:
- Zezinho, eu caso contigo!
Porém lhe disse Zezinho,
com relação à riqueza:
- Mariquinha, tu és rica
de dinheiro e de beleza -
eu acho muito custoso
tu casares na pobreza!
Mariquinha respondeu:
- Ser pobre não é vileza!
eu sou rica, tu és pobre -
eu sou a tua riqueza!
O dinheiro compra tudo,
porém não compra firmeza!
Aí lhe disse Zezinho:
- Rico não casa com pobre!
Lhe respondeu Mariquinha:
- Tu não possuis, mas é nobre!
O coração de que ama
não há dinheiro que dobre.
Zezinho, juro por Deus,
contra os gostos de meus pais,
hei de casar-me contigo
salve se me "enjeitais"
pois aquilo que Deus fez,
na terra ninguém desfaz.
Zezinho também lhe disse:
- Juro por Deus do Bonfim:
hei de casar-me contigo,
já que amas tanto a mim.
Não esperava que tu
me amasses tanto assim!
Mariquinha, além de rica,
era bela e educada,
a sua alma de criança
foi por Deus presenteada
de candura e inocência,
a menina era prendada.
Mariquinha ficou moça,
da escola se ausentou.
Essa ausência prá Zezinho
foi seta que penetrou,
cravando dois corações:
mais amizade aumento.
E Zezinho satisfeito,
consigo mesmo dizia
que, dali a poucos anos,
um bom emprego acharia
e a bela Mariquinha
a sua esposa seria.
Mas o homem pouco sabe
do seu destino traçado;
na estrada do futuro
nunca se sabe acetado
quando nos julgamos bem,
surge um golpe inesperado.
Um dia em que Zezinho
voltava de um brinquedo,
escreveu a Mariquinha.
Já descobriu-se o segredo:
se havia de ser mais tarde,
apareceu logo cedo.
Por infelicidade,
no outro dia cedinho,
a mãe da dita menina
encontrou um bilhetinho
na mala de sua filha,
com a firma de Zezinho.
Ela chamou a menina
em particularidade:
- Menina, vem me contar
a tua infelicidade.
Responde o que te pergunto,
sem que me negue a verdade!
Mariquinha respondeu,
lhe perguntou: - O que quer?
Respondo o que me pergunta,
salvo se eu não souber.
Garanto que não lhe minto,
dê o caso em que der.
A velha vendo a filha
falar-lhe tão positiva
lhe disse: - Estas palavras
me faz ficar pensativa.
Eu vou contar a teu pai,
que disso ninguém me priva.
Foi a velha, disse ao velho:
- Cuide de ser cavalheiro!
Olhe que em nossa casa
há um caso traiçoeiro:
Mariquinha é namorada
do filho do sapateiro!
Meu velho, ocultemos isso
enquanto não se descobre.
Mariquinha é muito rica
e aquele sujeito é pobre -
é desgraçada a família
que se abate, sendo nobre!
O velho ouviu a história,
ficou trêmulo de furor.
Chamou Mariquinha e disse:
- Agora fui sabedor
que andas te namorando
com um tipo conquistador!
Disse ele a Mariquinha:
- Como procedes assim?
tu é a única herdeira
duma riqueza sem fim -
queres casar com um pobre,
péssimo, safado e ruim?!
- Meu pai, dinheiro não paga
a firmeza de quem tem:
Eu nasci para Zezinho,
Zezinho prá mim também!
Se eu não casar com ele,
não caso mais com ninguém!
O senhor também foi moço
e conhece o coração:
este órgão nos dirige
para a glória ou perdição;
ele impera sobre o pobre,
sobre o rico de milhão.
Portanto só Deus impede
de entregar meu carinho
ao filho do sapateiro,
coitado, tão pobrezinho!
Não amarei outro homem,
só casarei com Zezinho!
Disse o velho: - Vou prendê-lo!
Veja o que determina:
vou mandar interrogá-lo,
para ver o que destina,
Vou botá-lo na marinha,
já se acaba essa sina!
Disse ela para o pai:
- Meu pai, não acho decente!
Se eu merecer castigo,
por ser desobediente,
sofra eu e não Zezinho,
que ele está inocente!
Disse o velho para ela:
- É fraco seu pensamento:
esteja inocente ou não,
eu digo, faço e sustento!
Há de ser o seu castigo
igual ao seu atrevimento!
Disse isso e retirou-se,
nada mais tendo a dizer.
Ela pegou uma pena,
começou a escrever,
participando a Zezinho
o que devia fazer:
"Zezinho, querido amante,
começou nosso sofrer!
Peço-te saias de casa,
pois meu pai vai te prender.
Ele tem ódio de ti,
Jesus há de te valer.
Nosso amor foi descoberto,
com isso não me convenço.
À noite, vem ao quintal,
isso com cuidado imenso,
que te darei o destino -
hás de fazer o que penso"
Chamou depressa a criada
e disse: - Parta tigeiro,
escondido de meu pai!
Não deixe ver o roteiro
e entregue esse bilhete
ao filho do sapateiro!
Zezinho leu o bilhete,
ficou muito aborrecido.
Quis esperar o ricaço,
mas lembrou-se do pedido
e, quando o velho chegou,
ele já tinha saído.
A meia-noite, Zezinho
esperava a bem-amada,
nisto chegou Mariquinha,
trêmula de medo e cansada,
entregou cinquenta contos
numa caixinha fechada.
Disse ela: - Este dinheiro
é uma prova de firmeza.
Vai ganha a tua vida,
adquirir a riqueza -
gasta com o necessário,
veja, não caia na pobreza!
Retira-te para fora,
Zezinho, onde ninguém
não conheça a tua vida,
se passas mal ou bem,
que aqui fico esperando,
como quem teve e não tem.
Zezinho se despediu
de sua amante querida.
Ele pediu um abraço,
ela deu por despedida:
se abraçaram em soluços,
que quase perder a vida.
Ambos baixaram a vista,
um e outro soluçava;
com um profundo silêncio,
nem um nem outro falava.
Veja esses dois corações
nessa hora como estavam!
Se abraçaram em soluços;
com terna paixão infinda.
Partiu Zezinho chorando,
ela ficou mais ainda -
no presente estava a ida,
no futuro estava a vinda.
Zezinho chegou em casa,
disse ao velho sapateiro
que ia sair de casa
prá correr o mundo inteiro
e então, quando voltasse,
traria muito dinheiro.
Seu pai deu consentimento,
botou-lhe feliz benção,
recomendou-lhe cautela
fora de sua nação
e, com lágrimas de ambos,
se fez a separação.
Zezinho aí embarcou
num porto dessa cidade.
Saltou em outro país
com muita felicidade,
entrou com 50 contos
em uma sociedade.
Começou para Zezinho
um viver atarefado;
já fazia oito meses
que ele tinha embarcado,
o dinheiro que levou
já tinha o duplo aumentado.
De nove para dez anos,
antes de dez completar,
estava rico de milhões,
com três vapores no mar,
com todos três no seguro,
para nenhum naufragar.
Apesar dessa fortuna,
Zezinho se lastimava;
só na meiga Mariquinha
o belo rapaz pensava,
por não saber nem notícia
do que por lá se passava.
Dizia ele consigo:
- Mariquinha ainda me ama?
Depois desses anos todos,
estará acesa a chama
no peito dessa donzela,
que meu coração reclama!?
Oh! Mariquinha querida@
Tu ainda vives amor?
Ou já morreste, deixando
eu só carpindo esta dor?
Dez anos sem ter notícia!
Oh, quanto sou sofredor!
Oh! meu Deus, eu vos suplico,
mostrai a minha querida
pelo menos em um sonho!
Mostrai-me se está com vida
e se ainda me espera
depois da minha partida!
Zezinho falava assim,
mas logo se convencia
que só regressando à pátria
seu vexame abrandaria:
veria então Mariquinha,
que há muito tempo não via.
Reuni todos os bens
e decidiu-se a voltar,
para ver sua queria,
que não cessava de amar,
e também a sues amigos
e a sus pais visitar.
Zezinho já muito rico,
estava bem satisfeito,
mas tudo quando lucrou,
foi trabalho sem proveito,
além dum desgosto, outro -
vamos tratar a respeito.
Durante esses dez anos
que Zezinho estava ausente,
o pai de sua queria
tornou-se mais imprudente,
pá fazer seu casamento
com um moço seu parente.
Mariquinha em casamento
todo mês era pedida,
além de não dar o sim,
mostrava-se aborrecida
só em pensar em Zezinho -
era um acabar de vida!
Um dia lhe disse o pai:
- Sei que isso é presunção!
Se não fizeres meus gostos,
eu não te boto a benção.
Escolhe o que preferes:
a benção ou a maldição!
Tornou-lhe o pai a dizer:
- Sei que estás apaixonada.
Se não fizeres meus gostos,
ficas amaldiçoada
de mim e de tua mãe,
e da riqueza deserdada!
Foi quando a mãe dela disse:
- Sei que isso é tentação,
mas deves compreender
que o teu pai tem razão.
Se o meu pedido for nulo,
eu te lanço maldição!
Mariquinha, vendo isso,
contou com a perdição:
o que é daqueles filhos
que dos pais não têm benção?
Sendo mulher, parte fraca,
considerou com razão.
Mariquinha refletiu,
muito triste respondeu:
- Minha mãe, estou de acordo:
para mim tudo morreu -
prometo ouvir seus conselhos,
Seu gosto será o meu.
O velho ouvindo isso,
com grande contentamento
disse sorrindo prá velha:
- Eu vou já neste momento
botar banho, fazer convite
pro dia do casamento!
Mariquinha retirou-se,
com sentimento e saudade,
chorando, pedindo a Deus,
que a matasse a qualquer hora,
que casar contra vontade.
Mariquinha, no seu quarto,
morrendo de agonia,
chorando e pedindo a Deus,
rogando à Virgem Maria,
que Zezinho estava ausente
e nada disso sabia.
Sentou os joelhos em terra:
- Oh, meu Deus de piedade!
Não consintais que meu pai
me obrigue à falsidade,
para que Zezinho saiba
e conheça da verdade!
Zezinho, meu bem querido,
nosso esforço foi baldado,
nosso castelo de sonho
foi pelo vento açoitado,
jaz hoje por sobre a terra
em escombros transformado!
Zezinho meu, onde estás,
que não vês o meu sofrer?
Quisera que tu sonhasses,
para poderes saber
que meu amor, meus carinhos,
vão a outro pertencer!
Quantas juras nós fizemos,
ainda na flor da idade!
Quantos projetos trocamos,
prá nossa felicidade!
Hoje somos duas barcas,
ao sabor da tempestade!
Vem depressa, meu Zezinho,
vem, que não suporto mais!
Vem tirar-me, meu amor,
das garras de Satanás!
Em breve pertenço a outro,
por capricho de meus pais!
Esse dia foi chegado,
Mariquinha se casou.
No dia do casamento,
Zezinho desembarcou
já ela estava casada,
quando Zezinho chegou.
Zezinho desembarcou
junto com um camarada,
participou a seu pai
a sua feliz chegada.
Estava bem satisfeito,
visto não saber de nada.
Zezinho mandou dinheiro,
que seu pai não possuía;
ele sempre tinha dinheiro,
mas sendo em pouca quantia,
não dava prá festejar,
nem banquetear um dia.
Quando o sapateiro soube
do seu filho obediente,
pois já fazia dez anos
que de si estava ausente,
foi tanto fogo no ar
que admirou muita gente.
Mariquinha, vendo os fogos,
ficou muito admirada;
a casa do sapateiro
estava toda enfeitada,
para saber o que havia,
ela mandou a criada.
A criada foi chegando,
o que primeiro avistou
foi Zezinho sorridente,
que rindo a cumprimentou.
Volta a criada e lhe diz:
- Foi Zezinho que chegou!
- Senhora, disse a criada,
a festa está imponente!
O senhor Zezinho está
radiante e contente!
O sobrado está repleto
dum povo nobre e decente!
Mariquinha, ouvindo isto,
de dores ficou partida.
Caiu com um acidente,
que quase perdia a vida.
Como já era casada,
ficou despersuadida.
Ela entrou para o quarto,
escreveu o que passou-se,
comunicou a Zezinho
por que motivou casou-se,
mas estava como era:
o amor não acabou-se.
Dizia assim, mais ou menos,
a carta que ela escreveu:
"Oh, meu querido Zezinho!
Que triste fado é o meu!
Quase não tenho coragem
de contar o que se deu.
Casei-me com outro homem,
fui traída pela sorte,
e, se ainda não morri,
não foi porque seja forte -
foi meu pensamento em ti
que venceu a própria morte!
O meu pai casou-me hoje,
massacrou meu coração
e deixou-te desenganado,
jogou-te na solidão,
mas calma, tem paciência,
domina tua paixão!
Te amo ainda, Zezinho,
apesar deste ocorrido!
Embora que outro homem
tenha se intrometido,
mas, em minha consciência
só tu és o meu marido!
À noite, vem ao quintal,
se ainda me tens amizade.
Desejo ser sabedora
de tua felicidade.
Traz contigo a recompensa
desta minha falsidade".
Mariquinha, muito pálida,
sua criada chamou:
- Leve isto a Zezinho,
que ele sabe quem mandou!
E foi com muito sigilo
que a criada entregou.
Zezinho leu o bilhete,
quis usar de violência;
afinal, pediu a Deus
que lhe desse resistência,
para sofrer as angústias,
sem faltar-lhe a paciência.
Pediu licença aos amigos,
não quis saber de mais nada!
Recolheu-se ao seu quarto,
sentido a fronte agitada,
e verteu amargo pranto,
pensando na sua amada.
Pensou ir na casa dela,
sem dar valor mais à vida,
pegar o velho ricaço,
que traiu sua querida,
dar-lhe muitas punhaladas,
deixando o corpo em ferida.
Mas depois disse: - É verdade!
O certo é me convencer
que um ente tão sem sorte
tira proveito em morrer!
Mandai-me, meu Deus, a morte -
não preciso mais viver!
E, dizendo estas palavras,
o pobre rapaz, coitado,
rolava sobre o seu leito
como um alucinado.
Era comovente ver-se
Zezinho naquele estado!
Seu pai, prevendo um desfecho,
ministrou-lhe um bom calmante.
Ele abrandou mais um pouco
sua sanha delirante.
Seus amigos não deixaram
ficar sozinho um instante.
Passou o resto do dia
sem ter mais gosto consigo.
À noite, foi ao protão,
receoso do perigo.
Mariquinha também foi,
porém temendo o castigo.
Foi chegando Mariquinha,
diz Zezinho: - Aqui estou eu!
Foi lhe pedindo um abraço,
ela não fez dúvida, deu.
E, nesse abraço Zezinho
nos braços dela morreu.
A morte daquele amante
causou admiração
serviu de pena e desgosto
prá família do barão.
A vida de Mariquinha,
Zezinho tinha na mão.
Zezinho ignorava
de sua sorte infeliz,
porém existe um ditado,
é um provérbio que diz:
"No mundo não há quem goze
o que a sorte não quis".
Mariquinha, vendo isso,
ficou louca, sem sentido,
vendo morrer desta forma
o seu amante querido,
foi relatar à criada
o que tinha acontecido.
- Minha criada, vem ver
que grande infeliz sou eu!
Zezinho, o meu amante,
neste momento morreu,
com uma grande vertigem
dum abraço que me deu!
Saiu ela e a criada,
considerando primeiro.
Pegaram Zezinho nos braços,
fizeram isso ligeiro,
foram botar na calçada
da porta do sapateiro.
Quando foi no outro dia,
de manhã muito cedinho,
o criado abriu a porta
foi olhar bem de pertinho -
tinha na calçada um morto,
era seu patrão Zezinho.
Botaram-no em um sofá,
retirando-o da calçada.
Tanta alegria que houve,
tornou-se o prazer em nada.
O morto tinha uma mão
aberta e outra fechada.
Espalhou-se essa notícia,
causou admiração;
fizeram uma junta médica,
ficaram em confusão -
o que queria dizer
o que tinha aquela mão?
Presente estava uma velha,
disse: - Ninguém adivinha!
Ele morreu de um desgosto,
de uma amizade que tinha -
esta mão, que está fechada,
só quem abre é Mariquinha!
O sapateiro sabendo,
saiu com muito respeito,
foi ao sobrado do homem,
pediu com agrado e jeito,
contou o significado -
o que pediu foi aceito.
O homem rico, ciente,
veio com muito prazer,
junto com a comitiva,
todos alegres prá ver.
Só Mariquinha sabia
o que ia acontecer!
Vinha todos para ver,
reunida a maioria,
e viram Zezinho morto,
no sofá onde jazia
e Mariquinha calada,
porque de tudo sabia.
Reunida a maioria,
gente de alta patente,
doutor, juiz de direito,
o sapateiro na frente,
Mariquinha, na chegada,
seu ar ficou diferente.
Mariquinha foi chegando
e disse com voz altiva:
- Deus ama a quem lhe estima,
aborrece a quem se esquiva -
morramos nós como amantes,
prá ver se a riqueza priva!
Zezinho, abre essa mão,
já que morreste por mim!
Tu por mim te acabaste,
eu por ti devo ter fim!
Disse, caiu morta -
Deus terminou assim.
Os velhos pais de Zezinho
quase morrem de agonia.
Foi um desgosto geral
para quem o conhecia.
Quem casou com Mariquinha,
foi quem ficou na "forquía".
Quando a mãe de Mariquinha
soube o caso que se deu,
mudou a feição do rosto,
de repente enlouqueceu.
A justiça tomou conta
de tudo o que era seu.
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