Arievaldo Viana
Bons leitores vou narrar
Um caso que foi passado
Num livro muito decente
Foi o fato relatado
Minhas são somente as rimas
Nada aqui é inventado.
O senhor Ramiro Chaves
Um grande caminhoneiro
Que nasceu e se criou
Nos vales de Tabuleiro
Em seu livro de memórias
Diz que o caso é verdadeiro.
Pois bem, vamos a história.
Do jeito que foi narrada
Dizem que um fazendeiro
De vida boa e honrada
Nas estradas do destino
Caiu em grande cilada
Leonel dos Santos era
Este dito fazendeiro
Morava nos Inhamuns
Era pacato e ordeiro
Por ser muito inteligente
Sabia ganhar dinheiro
Em novecentos e seis
Do outro século passado
Veio ele à Fortaleza
Pedir dinheiro emprestado
Pra comprar gado de corte
Com um lucro avantajado.
Cinqüenta contos de réis
Pretendia o fazendeiro
Foi ao Banco do Brasil
Lá conseguiu o dinheiro
Passou ele a comprar gado
Contente e bem prazenteiro
Entregou sua fazenda
A um parente e amigo
Tocando sua boiada
Jamais pensou em perigo
Mas a sorte e o azar
São como o joio e o trigo.
Aconteceu uma tragédia
Quando o negócio já ia
Crescendo de vento em popa
Melhorando a cada dia
Por uma fatalidade
Perdeu vultosa quantia.
Tinha ele por costume
Toda vida descansar
Na sombra de uma oiticica
Depois do burro amarrar
Preparava qualquer coisa
Para ali mesmo almoçar.
Nesse tempo se vivia
Com certa tranqüilidade
O povo de antigamente
Prezava a honestidade
Seu Leonel era um desses
Que não pensava em maldade
Mas foi a fatalidade
Que este dano originou
Chegando na oiticica
Os seus alforjes tirou
Num galho da dita árvore
Com cuidado pendurou.
Dentro de um dos alforjes
A sua fortuna estava
Mais de cem contos de réis
O fazendeiro levava
Com um lapso de memória
Este pobre não contava.
Depois que almoçou bem
Armou a rede e dormiu
Quando bateu duas horas
Selou o burro e saiu
Lá os alforjes ficaram
E seu Leonel não viu.
Esqueceu sua fortuna
Talvez devido a soneira
No seu burro de valor
Galopou a tarde inteira
Coitado, sem se dar conta.
Da sua grande leseira.
Na casa de um compadre
Dormir ele pretendia
Como de fato chegou
Ao toque da Ave-Maria
Cumprimentou o compadre
Com afeto e alegria.
Mas veio o golpe fatal
Quando tirou a bagagem
Que não viu os seus alforjes
Pensou que fosse visagem
Junto com o seu compadre
Ganhou de novo a rodagem.
Porque a dita oiticica
Dali era bem distante
Coisa de umas sete léguas
E o fazendeiro errante
Seguia a todo galope
Nessa hora angustiante.
Chegando na oiticica
Nem sinal ele encontrou
Alforje, dinheiro e tudo.
Passou alguém e levou
Agora o leitor calcule
De que forma ele ficou!
No gancho da oiticica
Só restava a ingratidão
De saber que nunca mais
Veria nenhum tostão
Saiu dali como um louco
Entregue a tentação.
O seu compadre notou
Que ele estava transtornado
Então dali por diante
O tratou com mais cuidado
Se não fosse assim, talvez
Tivesse se suicidado.
Durante a noite velou
Ao lado de sua rede
Escondeu cordas e foices
Lá no canto da parede
Foi com ele até o pote
Quando estava com sede.
Assim procede o amigo
Quando é bom e verdadeiro
Também sente a mesma dor
E protege o companheiro
Sendo ele milionário
Ou sem possuir dinheiro…
E assim, depois de três dias
Julgando-o mais conformado
Liberou o seu amigo
Com um abraço apertado
Leonel partiu levando
Só a tristeza ao seu lado.
Chegando em sua fazenda
Único bem que lhe restou
Ao seu parente e amigo
Todo drama relatou
Para o Banco do Brasil
Urgente telegrafou.
Com quatro dias, um fiscal
Chegou na propriedade
Ainda deu noventa dias
De prazo, mas na verdade
Já sabia que o caso
Era uma fatalidade.
Depois do prazo vencido
A fazenda foi tomada
O Banco ficou com tudo
Ele voltou pra estrada
Desta vez como mendigo
Já não possuía nada…
Somente o burro de sela
De consolo lhe restou
Ao deixar sua fazenda
De tristeza ele chorou
E um aboio saudoso
Na porteira ele soltou.
Seguiu a sua jornada
Pesaroso, sem roteiro
Lá na Serra das Pipocas
Encontrou um fazendeiro
Que ofereceu-lhe um emprego
Como simples cambiteiro.
Por lá passou cinco anos
Nunca contou seu passado
Foi fazendo economia
E teve um bom resultado
Juntou duzentos mil réis
Já pensava em comprar gado.
Negociar com boiada
Isto fica pra quem pode
Pois seu dinheiro só dava
Pra comprar ovelha e bode
Mesmo assim ele enfrentou
Pois honrava seu bigode.
E assim foi tocando a vida
Seu capital aumentou
20 cabeças de bode
De uma feita ele comprou
Vende-las em Fortaleza
Leonel imaginou.
Com o seu plano formado
Pela estrada seguia
Conduzindo as criações
Lembrando o maldito dia
Que aquela velha oiticica
Roubara a sua alegria.
A estrada era a mesma
Ele havia de passar
Na sombra da oiticica
A causa do seu penar
Nem a poeira do tempo
Pudera a dor apagar.
Os bodes seguiam lentos
Alheios a sua aflição
O burro apressava o passo
Lágrimas caíam no chão
Nisto a casa do compadre
Encheu a sua visão.
Demorou alguns minutos
Para ele reconhecer
Aquele amigo que outrora
Chegava ao anoitecer
Com o bolso cheio de notas
Ansioso por lhe ver.
Estava magro e barbado
Roupa velha e remendada
Currulepes muito gastos
De tanto andar na estrada
E um lote de 20 bodes
Ao invés da grande boiada.
Sua barba muito grande
Era a cópia do desprezo,
O compadre, como dantes.
Manteve o afeto aceso
E não falou no passado
Para não causar mais peso.
Leonel guardou os bodes
E depois adormeceu
Porém seguiu a viagem
Quando o dia amanheceu
O rebanho obediente
Ouvia o comando seu.
Ao pino do meio dia
Quando o sol mais quente fica
E a luz esfuziante
Nos escalda e purifica
A comitiva chegou
Na sombra da oiticica.
Entretanto, a árvore ingrata
Já se achava ocupada
Nos galhos de sua copa
Havia uma rede armada
E pastando ali se via
Uma vastíssima boiada.
Leonel e seus bodinhos
Chegam na copa ramada
O fogo já estava aceso
Diz ele: – Meu camarada
Me permita descansar
Pois também sou da estrada.
Ao dizer estas palavras
Ele viu o boiadeiro
Erguer a vista e dizer
Se aproxime companheiro
Leonel sentiu um choque
Vendo o galho do dinheiro.
Mas sentindo a acolhida
Pura, simples, verdadeira
Cumprimentou o rapaz
E falou desta maneira:
– Me deixe assar umas tripas
Nas brasas desta fogueira?!
– Não senhor! Disse o rapaz
Deixe isso pra depois,
Ainda tem carne assada
Feijão de corda e arroz
A comida é bastante
Para alimentar nós dois!
Leonel agradeceu
Porém parecia aflito
De vez em quando um gemido
A fim de conter um grito
Sempre que ele fitava
Aquele galho maldito.
O tempo corria lento
Cada minuto arrastado
Os bodes pastavam perto
Junto ao rebanho de gado
No seu íntimo o tangedor
Recordava seu passado.
Um tormento igual a este
É medonho, ele é infindo
Esmaece a luz do dia
Ofusca o ambiente lindo,
Nisto diz o boiadeiro:
– Amigo, o que estás sentindo?
– Nada, nada, meu amigo!
respondia Leonel
Acabrunhado num canto
Bebendo a taça de fel
De vez em quando fitava
Aquele galho cruel.
De vez em quando uma lágrima
Rolava de sua face
Lhe garanto, meu leitor
Se alguém ali passasse
Vendo aquela triste cena
Não duvido que chorasse…
O boiadeiro deitado
Prestava bem atenção
Sem entender o motivo
Daquela grande aflição
Fez novamente a pergunta
Esperando explicação…
– Meu amigo, me responda
Não se faça de rogado,
Me responda por que é
Que estás tão magoado?
Me diga qual é a dor
Que lhe deixa transtornado?
Leonel abria a boca
Mas não podia falar
A lembrança do passado
Fez sua voz se turvar
Até que criou coragem
E assim se pôs a falar:
– Meu amigo, no meu peito
hoje existe uma lacuna,
e a dor desta lembrança
fere mais do que borduna
nos galhos desta oiticica
já perdi grande fortuna…
– Passei aqui certa vez
Como um rico fazendeiro
Aqui armei minha rede
E guardei o meu dinheiro
Sem pensar que o destino
Fosse vil e traiçoeiro.
– Há quanto tempo, me diga
Este fato aconteceu?
– Faz 10 anos, meu amigo
O pobre assim respondeu,
– Pois meu amigo, sossegue
porque quem achou fui eu!
Dizendo isto o rapaz
Apertou a sua mão
Fitou bem o seu semblante
E disse com emoção:
– Há muito tempo eu espero
esta grande ocasião!
Leonel atarantado
Não queria acreditar
Aquela felicidade
Jamais ousou desejar
A emoção era tanta
Que ele ia desmaiar.
Vendo então o seu estado
O rapaz lhe ofereceu
A rede para deitar
Ele com gosto aquiesceu
Ao acordar perguntava:
– O que foi que aconteceu?
Leitor, se tu és honesto
Mostra agora que tu sois…
O boiadeiro lhe disse
Sem deixar para depois,
– Tudo o que eu tenho na vida
meu amigo, é de nós dois.
– Está vendo essa boiada
Que eu tanjo prazenteiro?
Eu ganhei nesta oiticica,
Multipliquei seu dinheiro,
Lhe considero meu sócio
Pois não sou interesseiro.
Chamava-se Zé Messias
O honrado boiadeiro
Sua esposa Dona Amélia
Passando por Tabuleiro
Contou tudo a seu Ramiro
Eis um caso verdadeiro.
Dona Amélia garantiu
Que quando o marido achou
Aquela grande quantia
Por mais de um ano guardou
Não aparecendo o dono
Com cuidado ele aplicou.
O certo é que eles dois
Viveram em sociedade
Gozando desta fortuna
Com justiça e lealdade
Tudo ali era dos dois
Não se falava em metade.
Arievaldo é poeta
Escolhe o tema certeiro
Valoriza essa cultura
Agradece ao Tabuleiro
Longínquo, que lhe estima
Deste ARIEVALDO LIMA
O abraço é verdadeiro.